Há algum tempo, sem uma periodicidade definida, digamos quase que
semanalmente querendo eu que fosse diariamente, assim que me aquietava em minha
mesa após ter passado o crachá no relógio de ponto e o terceiro copo de café,
abria minha agenda da Tribo (uma dessas agendas exóticas cheias de figuras,
reflexões e pensamentos), foleava o grosso bloco de páginas aleatoriamente e na
página que caia redigia as palavras impressas em forma de poema em um e-mail
intitulado “POEMA DO DIA”, assim mesmo em letras maiúsculas, e enviava aos meus
companheiros mais próximos de trabalho.
Ao enviar o “POEMA DO DIA” esperava ver nos rostos de cada um deles um
leve sorriso, uma risada de canto de boca, um comentário proferido com alegria
ou indignação por não ser um poema e sim um texto sem nexo, sem qualquer
sentido.
Algo assim:
“Nado de peito num certo argumento.
Nado de costas nas minhas apostas.
Nado livre naquele inclusive.
Faço revezamento de namorado.
Nado toda modalidade nas raias da insanidade.”
E isto sempre era retornado, da maneira que esperava de cada um deles o
que me dava uma pequena felicidade fundamental para eu iniciar a rotina de
trabalho, me animando por tantas vezes que chegava de mau humor em minhas
crises existenciais.
Desta vez, busquei um poema “decente”, o último “POEMA DO DIA” e, ao
invés de enviar apenas a eles, envio a todos vocês, que fizeram parte constante
de minha vida durante 1 ano e quase 4 meses, das segundas as sextas-feiras ,
das 8h às 17:48h, isso quando eu não aumentava o absenteísmo da área com meus
atrasos.
Agradeço a todos por tudo o que vivi, aprendi, senti, ri e outra
infinidade de verbos que sempre farão parte da minha vida pessoal e
profissional e que jamais serão esquecidos por mim.
Intrigas a parte ficarão guardadas no fundo de uma gaveta que nunca
mais será aberta e que com o tempo será esquecida como se fosse jogada em alto
mar e sedimentada no fundo escuro e frio de águas tão profundas.
Abrirei apenas a gaveta das boas lembranças, dos sentimentos
agradáveis, das risadas aconchegantes e de todos os momentos que me tornaram
mais humano, mais solidário, mais forte, mais ágil, mais prático, mais
contente, mais feliz, mais e mais e mais...
Abraços e beijos mágicos,
Rodrigo
METADE
Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio;
Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca;
Porque metade de mim é o que eu grito,
Mas a outra metade é silêncio...
Que a música que eu ouço ao longe
Seja linda, ainda que tristeza;
Que a pessoa que eu amo seja pra sempre amada
Mesmo que distante;
Porque metade de mim é partida
Mas a outra metade é saudade...
Que as palavras que eu falo
Não sejam ouvidas como prece
E nem repetidas com fervor,
Apenas respeitadas como a única coisa que resta
A um homem inundado de sentimentos;
Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo...
Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que eu mereço;
E que essa tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada;
Porque metade de mim é o que penso
Mas a outra metade é um vulcão...
Que o medo da solidão se afaste
E que o convívio comigo mesmo
Se torne ao menos suportável;
Que o espelho reflita em meu rosto
Um doce sorriso que me lembro ter dado na infância;
Porque metade de mim é a lembrança do que fui,
A outra metade eu não sei...
Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
para me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais;
Porque metade de mim é abrigo
Mas a outra metade é cansaço...
Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade para faze-la florescer;
Porque metade de mim é platéia
E a outra metade é canção...
E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade... também.
Oswaldo Montenegro